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ENSINA-ME A OLHAR

Por Aída Aparecida em 15/07/2022 às 15:50:44

Ana era uma idosa marcada pelo passar dos anos com muitas cicatrizes. As marcas não estão visíveis, elas estão na alma. A criança ferida nunca se curou e passou a vida a rememorar dores. Sua cegueira adquirida ao longo da vida foi ainda mais profunda em seus sentimentos enjaulados numa carapaça de sorrisos largos que disfarçavam seu olhar triste.

Mas hoje, justamente hoje, Aninha, Anete, Anita, Dona Ana, vó Ana... aos 89 anos, só lamentava uma coisa, não ter visto o mar antes de perder a visão, ao adquirir uma catarata nos dois olhos. Há anos as imagens não passavam de névoas em movimento. Vó Ana passou a dar mais valor às palavras, ao toque, aos cheiros e pedia a Deus "Ensina-me a olhar". Olhar através do tato, do olfato, da audição, sentir o som das cores. Por mais que isso não faça sentido para a maioria.

Assim, o "Todo Poderoso" fez mais por ela. O neto caçula, o qual sempre estava a seu lado, até nas orações, ouviu sua súplica e levou vó Ana para conhecer o mar. Antes de sair para "ver" o mar, Ana pediu ao neto uma toalha e que preparasse um par de roupas, para que ela vestisse ao chegar do passeio nas largas calçadas da Praia do Forte na Bahia.

A vida daquela senhorinha foi vivida intensamente, não necessariamente, porque aproveitou-a no bom sentido, mas tudo que sentiu de bom e de ruim Ana guardou. Isso, muitas vezes se tornou peso e ela queria deixar ao mar. Senti-lo, cheirá-lo, prová-lo foi emocionante para a menina Aninha à vó Ana, a qual viu sua vida passar como um filme ao vento do litoral nordestino.

Ela mergulhou naquela água quente e salgada como se lavasse a alma. As ondas a deixaram leve. O neto a segurou ao ponto de flutuar. O cheiro da maresia, a sensação de deixar a dor partir, um prazer; a extrema unção.

Ana partiu desse plano terrestre dias após a visita ao mar. Sua última frase foi de gratidão à vida e à Deus por ensiná-la a olhar e seguir mais leve para outra vida e novas experiências. "Nesta vida aprendi, ao final, a deixar passar as dores. Vou indo leve seguir outro caminho".

"(...) Senti-lo, cheirá-lo, prová-lo foi emocionante para a menina Aninha à vó Ana a qual viu sua vida passar como um filme ao vento do litoral nordestino. (...)"

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